Por: João de César Melo.
Formado na Universidade Federal do Espírito SantoÀ quem possa
interessar,
Meu nome é João César de Melo, conhecido por alguns como John, sou Arquiteto
formado pela UFES em 2005 e Artista Plástico autodidata há alguns anos. Já
participei de 23 Encontros, a partir de 1994, e devo muita, muita coisa a eles.
Foi num Encontro no ano de 1997, em Bonito, que chorei de felicidade pela
primeira vez na vida. Chorei a alegria de estar num ambiente onde todos fluíam
as mesmas angustias, os mesmos sonhos, os mesmos desejos... Num mundo cheio de
problemas e injustiças, aquele amontoado de barracas e pessoas felizes no meio
do mato era um outro planeta, uma outra dimensão, uma outra coisa... um
Encontro de Estudantes de Arquitetura! A sensação era de que, se um cometa
viesse a alvejar a terra, só nós sobraríamos, só nós merecíamos os prazeres da
vida. Ali, diante do Rio Formoso, ouvindo rock’n’roll, blues, jazz, reggae e
Chico Science pra caralho, trocando sorrisos, olhares e suspiros a todo
instante, decidi esticar ao máximo meu percurso pela Universidade - onde acabei
ficando 12 anos.
Percebia, então, que antes de tentar projetar qualquer coisa, eu deveria polir
meu caráter, minha índole. Antes de me apresentar como arquiteto, eu deveria
saber ver o mundo, as pessoas, descobrir suas belezas e me livrar de vícios e preconceitos.
Vendo as meninas da Comorg do EREA Bonito passando os dias enfurnadas numa
cozinha improvisada preparando nossas refeições, vendo a arquitetura e o
urbanismo sendo assunto de conversa tanto numa mesa-redonda, sob uma árvore,
quanto no balcão do bar, vi que o caminho da arquitetura passa por dentro de
nós, e não por fora - tangente que quase não nos toca.
De lá pra cá, foram-se muitos Encontros, muitos amores, muitos amigos, muitas
lágrimas de felicidade. Amigos de Encontros... difícil explicar porque eles,
tantos, eram mais próximos a mim, e eu deles, que muitos colegas de turma, de
faculdade, com quem eu dividida sala e corredores. Ah, sei sim: eles tinham os
mesmos sonhos que eu.
Felicidade... Palavra que, para muitos, significa um carro novo ou um sapato
novo, ou um celular com mp3... Mas a minha, a nossa (todos aqueles que comigo
participavam daqueles Encontros) felicidade era gerada, apenas, pela presença e
pelo sorriso um do outro.
Quantos amores, quantas paixões, quantos desejos... Faltam estrelas no céu para
citá-los.
Que inveja sentia daqueles que conseguiam ir ás palestras, participar das
oficinas, mesas-redondas, CoREAs, CoNEAs... e ainda se davam a beber e amar a
noite toda! Eis os heróis, os gênios! Eu era apenas aquele que ficava logo ao
lado, admirando e torcendo por todos, me alimentando da felicidade e dos sonhos
dos outros.
Que alegria me dava ver pessoas que, sem experiência alguma, sem interesse
financeiro ou político algum, se davam tão intensamente à organizar os Encontros.
Moleques que, apenas por um ideal (que nem eles próprios poderiam definir), se
davam a construir uma cidade de poucos dias, de onde quem quisesse, poderia
sonhar e viver um mundo melhor. Que felicidade saber que existia uma tal de
FeNEA que, na verdade, não existia. Que felicidade entender que FeNEA era,
apenas (e o bastante), um estado de espírito.
Porém, tanta boa fé atraiu mais e mais pessoas aos Encontros. Não tão engajados
quanto aqueles pioneiros, mas tão bem intencionadas quanto. Só pelo fato de
abrirem mão do conforto de suas casas para passar alguns dias naquelas
deliciosas roubadas, essas pessoas já mereciam o esforço da Comorg.
Com isso, os Encontros foram se estruturando, ganhando crachás, bolsas,
canecas... problemas... Os Encontros foram crescendo, crescendo... ou inchando
- temos que refletir sobre isso.
Os Encontros de Estudantes de Arquitetura surgiram a partir da necessidade que
vários estudantes, de cidades e realidades diferentes, sentiam de trocar
experiências, angustias e também de discutir o papel da Arquitetura na
sociedade. Eram jovens inquietos, que não aceitavam o que lhes era imposto pela
mídia e pela sociedade. Não estavam satisfeitos com os rumos da cidade. Com
isso, nos Encontros que passaram a promover a ordem era criar um ambiente
diferente do que eram “obrigados” a conviver cotidianamente. Se do lado de fora
das cidades FeNEAs tudo convergia em violência, dentro, tudo deveria convergir
em sorrisos, respeito e cordialidade. Se do lado de fora as pessoas desfilavam
roupas e carros, num Encontro deveriam exibir apenas sorrisos. Se do lado de
fora dos Encontros se ganhava uma mulher puxando-a pelo braço, dentro, um amor
de um beijo, de uma noite ou de toda vida deveria ser conquistado com um
sorriso, com um olhar... numa conversa sobre arquitetura, ou não. Se do lado de
fora das cidades EREAs e ENEAs a sociedade era movida por hits enlatados das
rádios e modinhas de novela, dentro dos Encontros tudo deveria ser diferente –
o Encontro deveria ser a oportunidade para se ouvir algo diferente, bom, e de
testar novas roupas, cabelos, gírias, bobeiras... Um local de experimentação,
de buscas. Nunca, nunca deveriam tentar agradar a todos.
No começo eram poucos os “malucos”, mas logo mais e mais pessoas se juntaram á
“causa”, criando assim condições para se melhor organizar estes Encontros,
oferecendo melhor alimentação, segurança e atividades.
Lembrando que o mais importante num Encontro é o que o próprio nome sugere – o
ato de se encontrar outras pessoas, de outros lugares, de outras realidades, de
outras culturas... a prioridade deveria ser a criação de um ambiente agregador,
diferente do mundo do lado de fora dos tapumes - afinal, saímos de casa para
quê?
Porém, é com um doloroso aperto no peito que, pela primeira vez, chorei de
tristeza num Encontro, e logo num EREA realizado na minha cidade, por pessoas
que eu tanto estimo. Num legado que as Regionais Leste e Nordeste vem
alimentando de uns anos para cá (semente plantada no ELEA Micareta Salvador, em
1999), os Encontros estão descambando para a banalização, para a folia. As
Comorgs investem cada vez mais em infra e em atividades mas, na mesma
proporção, estão largando á sorte o ambiente, o clima dos Encontros. Está se
consolidando o bolo do oba-oba, uma galera que vai ao Encontro a procura de,
apenas, turismo barato e, porque não, uma festinha como as que pipocam pela
cidade todos os fins de semana. É essa gente que joga lata de cerveja dentro do
vazo e depois reclama que os banheiros estão sujos. É essa gente que dispara a
carga de um extintor de incêndio nas costas de alguém durante uma festa. É essa
gente que é intolerante e grossa diante algum transtorno típico de Encontro,
como falta d’água e disque-silêncio. É essa gente que, em plena hora do almoço,
pede (e é atendida!) para a rádio tocar funk. É essa gente que, diante uma
banda super conceitualizada e respeitada como o Sol na Garganta do Futuro,
debocha, desdenha e exige que ponha logo algo mais agitado – funk, funk, funk,
funk, funk...
Hoje, essa turma do oba-oba ainda é minoria. Mas, a medida que os Encontros
abraçarem a política de “agradar a todos”, eles vão tomar as rédeas da situação
e, como conseguência, plantar o fim do atual perfil dos Encontros.
Meu primeiro Encontro, EREA Barra do Piraí, em 1994, contou com 154 pessoas.
Porém, todos participaram de todas as atividades. Não havia crachá, bolsa,
caneca nem caderninho, mas todos estavam lá pelas mesmas razões. Hoje, qualquer
EREAzinho conta com, no mínimo, 500 pessoas. Alguns ENEAs chegam a reunir até 5
mil! Mas, se repararmos, assim como a 13 anos atrás, pouco mais de uma centena
de pessoas participam das atividades. A diferença deste número é o que financia
o incremento de atividades, de oficinas, de uma melhor alimentação e segurança.
Todavia, não se pode vulgarizar isso. O conceito de formatação de um Encontro
deve ser qualitativo, não quantitativo. As Comorgs devem, sempre, ter o cuidado
de não atrair ou, pior, alimentar um perfil de participante que não lhe é
interessante. E é a noite que o Encontro desmascara cada participante, cada
delegação. Vê-se logo as intenções de cada um, seus vícios e seus desejos. O
problema de se reproduzir, a noite, o ambiente que reina do lado de fora das
cidades FeNEAs é que um público maior de oba-oba será atraído para os próximo
Encontro, o que gerará maiores custos, dores-de-cabeça e o pior, a
descaracterização do ambiente. Se a turma do oba-oba não for evitada, a médio
prazo, será para ela que os Encontros serão formatados, pois eles, com suas
inscrições, é que terão um maior peso na receita do Encontro. A longo prazo,
com o oba-oba já consolidado, não haverá mais ambiente para os que realmente
procuravam os Encontros para discutir e debater a cidade ou, apenas, se
encontrar. Então, finalmente, todo o esforço daquela galera sonhadora de
décadas atrás será sepultado. Os Encontros virarão uma micareta. Qualquer
cervejinha a mais, gerará uma briga. Ao invés de sandálias, as meninas
desfilarão saltos-plataformas. Os homens, ao invés do despojo atual, desfilarão
esteróides anabolizantes.
Hoje, o clima da maioria ainda se sobrepõe ao oba-oba, mas amanhã, talvez não
mais.
A primeira providencia a ser tomada deve ser o fim do termo “festa” nos
cronogramas dos Encontros. Como isso, acaba-se com a expectativa que se cria,
como se todo o Encontro dependesse daquilo. Nunca uma banda agradará a todos.
Até porque, quase sempre são bandinhas desconhecidas, que tocam 3 ou 4 cover’s
conhecidos e uma dúzia de músicas próprias. Um Encontro de Estudantes de
Arquitetura não é um festival de música em busca de novos talentos, né pessoal!
Acabando com as “festas”, elimina-se ainda o risco de problemas com o
disque-silêncio e também em ter que ficar arranjando um punhado de crachás para
gente desconhedida, entre músicos, namoradas e amigos da banda.
O interesse na participação de um Encontro deve ser por suas atividades e pela
oportunidade de encontrar com outros estudantes, só isso. A noite, após as
atividades, não há necessidade de nada além de um bar e de uma boa rádio
atuando, apenas, como fundo. As pessoas precisam conversar, se olhar... e, além
do mais, quem já foi Comorg um dia sabe o tanto de problemas que gera a
contratação de bandas, palco e sistemas de som – será que vale o trampo? Depois
de um dia de trabalho a galera só quer beber umas cervejas, rir de si e da vida
e se apaixonar por alguém, só isso.
A rádio também deve ter especial atenção da Comorg, para que não fique passando
de mãos em mãos, sob o risco de virar uma cópia de rádio FM com a finalidade de
proporcionar folia. Um Encontro não é a situação nem o local para se pular
carnaval.
A terceira providência é evitar sediar um Encontro numa cidade turística, por
razões óbvias.
Os 10.009 carácteres acima, incluindo os espaços, representam minha sincera
preocupação. Preocupação pois, como já disse, devo muito, muito aos Encontros.
Como poucos, sem deboche, eu AMO A FENEA e tudo o que ela hoje agrega,
portanto, ficaria muito triste se, daqui a algum tempo, ficasse sabendo que
tudo aquilo que poliu minha sensibilidade como artista, arquiteto e como homem
se perdeu, foi devorado pelos gafanhotos. Meu sonho é que um filho meu tenha a
oportunidade de viver as mesmas alegrias que eu, as quais, a maioria se deu nos
EREAs, ENEAs e ELEAs de minha vida.
Minha esperança se baseia em saber que ainda há muita, muita gente bem
intencionada querendo organizar Encontros, participar dos “bla-bla-blás” (que
são importantes SIM) da FeNEA ou mesmo querendo estar ali, junto com um monte
de gente feliz.
Salve os tantos Lucas, Cabelitos, Magrãos, Mãzãos e Boinas da FeNEA! Salve
salve!
Às novas Comorg’s, aconselho um pouco de humildade. Consulte quem já fez o que
vocês querem fazer. Não entrem numa de reinventar o que foi nasceu certo, de
boa fé. Não entrem numa de popularizar os Encontros como única forma de se
cobrir os custos. Lembrem-se que, até alguns anos atrás, os Encontros eram
feitos sem internet e sem celular, e tudo acontecia quase que da mesma forma
que hoje. Portanto, usem os novos meios para agilizar o processo, não para
encarecê-lo.
Abraço para eles, beijo para elas,
John